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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Pantanal: Capítulo 4

Capítulo 4: Dia de Peão

O Gado foi introduzido no Pantanal a mais de 300 anos e toda a vida aqui é ligada a ele. Criado solto, é o grande aliado na conservação desse bioma. Quando as chuvas começam, trazendo a estação da cheia (outubro a março), os locais mais baixos são inundados e ficam cobertos de água. As árvores ficam confinadas aos espaços mais elevados, onde formam capões e florestas de cordilheira. Quando chega a estação da seca (abril a setembro), a água começa a deixar a planície e o rio volta ao seu curso natural. Os campos abertos voltam a exibir o verde que estava escondido sob o azul. Não é preciso derrubar a floresta para a formação de pastos, na planície pantaneira eles foram formados naturalmente. Os bois e os animais selvagens dividem o habitat pacificamente. Segundo a ONG SOS Pantanal (http://www.sospantanal.org.br/) 80% do Pantanal está preservado, e o grande motivo para isso é a pecuária extensiva.  

Nascer do sol no Pantanal

O Sol tingia o horizonte de amarelo quando acordamos. O cozinheiro não estava mais em nossa companhia. Havia saído mais cedo para montar o acampamento em nosso próximo destino. O café da manhã estava servido: uma refeição reforçada para enfrentar o longo dia que teríamos pela frente - é o que os peões chamam de quebra torto, que nada mais é do que arroz com carne de sol. Comemos, encilhamos os cavalos e estávamos prontos para seguir com a comitiva. 

Peão encilhando o cavalo

O som da buzina anunciava a saída. O ponteiro, o peão mais experiente, ia a frente ditando o ritmo. Dois peões, chamados de fieiros, posicionados na primeira metade da comitiva, direcionam a boiada para o caminho que devemos seguir, enquanto os meieiros ficam na metade de trás evitando que os bois se dispersem. Por último vem o culatreiro, que mantém a boiada andando. Ele é o capataz da comitiva e usa a buzina para avisar os outros peões, e o gado, quando é hora de andar, virar ou parar.

A buzina é uma espécie de berrante mais curto. Cada toque indica um comando: andar pra frente, direita, esquerda ou parar. O som é entendido pelos peões e pelo gado e facilita a comunicação.

Eu dando uma de fieiro

Meieiro

Culatreiro

Pausa para a Roda de Tereré, chá mate servido gelado 
na guampa (copo feito com o chifre do boi)

No começo da comitiva um boi é morto e sua carne é colocada para secar ao sol. Essa carne será utilizada no decorrer da viagem. Arroz e macarrão também fazem parte do cardápio. Tudo é colocado nas bruacas e carregado pelos burros que acompanham o membro mais importante da comitiva: o cozinheiro. Ele deve acordar mais cedo e preparar o café. Depois, antes mesmo do sol raiar,  segue para um ponto combinado com o capataz, onde irá montar o acampamento e preparar a comida para o grupo. É unânime entre os peões: sem um bom cozinheiro não há comitiva que se sustente.

Cozinheiro terminando o almoço. Ao fundo carne do sol para as
próximas refeições da comitiva.

Acampamento montado pelo cozinheiro. As bruacas são as caixas debaixo da lona.

Após quatro horas tocando o gado, sob o sol forte da planície pantaneira, começamos a sentir o cansaço. Andar a cavalo é um exercício que demanda força e postura e já estava chegando ao meu limite. Olhei para o lado e vi uma fumacinha saindo de um capão ao lado de um açude. Lá estava nosso acampamento! O cheiro da comida nos fez pular dos arreios (uma espécie de sela) rapidamente.

Os pantaneiros são extremamente sistemáticos em tudo, e não é diferente na hora de comer. É preciso seguir regras (rígidas) antes de sentar e fazer sua refeição. Se alguma coisa sair errado você tem que pagar uma prenda: pegar um porco monteiro ou um frango pra que os seus companheiros de comitiva possam comer algo diferente de carne de boi.

1° Regra: Servir-se com o chapéu

2°Regra: segurar o prato com a mão esquerda e servir  com a direita. O detalhe é que você precisa segurar a tampa  da panela com o dedo mindinho da mão esquerda. Se deixar cair tem que pagar a prenda. Sempre rola uma brincadeira como esquentar a tampa da panela pra alguém derrubar.

3° Regra: Servir na direção em que a comitiva está viajando 

4° Regra: colocar o prato no chapéu pra não queimar a mão

5° Regra: comer o arroz carreteiro e o macarrão tropeiro com o resto dos companheiros

6° Regra: Lavar o prato com água do açude

Após o almoço existe uma pequena pausa para o descanso, mas logo é hora de subir no cavalo e seguir viagem. Após um dia duro de trabalho os peões escolhem duas árvores e montam a sua rede e dormem ao relento. No dia seguinte, começa tudo de novo. 

As comitivas acontecem no período das cheias, quando as águas inundam os pastos e o gado precisa ser levado para lugares mais elevados. Os peões seguem esse ritual todos os anos e podem ficar meses sem ver a família para cumprirem o trabalho. São pessoas muito simples, com uma sabedoria adquirida pelo dia a dia da vida pantaneira. Foi um privilégio acompanhá-los, mesmo que por pouco tempo, nessa jornada pelos campos do Pantanal.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Pantanal: Capítulo 3

Capítulo 3: A primeira vez a gente nunca esquece 


Após um mês aprendendo os nomes de cada animal, em inglês e português, observando seus comportamentos e aprendendo muito com os guias locais, era a hora de começar. O Éder, um guia mais experiente, estaria comigo para me avaliar.  

Ainda estava escuro quando saímos, mas o canto dos pássaros pretos anunciava que o dia estava para começar. Os anus brancos se encolhiam um ao lado do outro procurando os primeiros raios de sol para se aquecer. Cegonhas, Socós e Garças começavam a chegar para procurar por peixes, caramujos, caranguejos e vermes nas partes rasas. Um casal de Corujas Buraqueiras cuidava de seu ninho na base de um cupinzeiro e os periquitinhos da selva procuravam por comida na entrada da mata enquanto os bugios iam para a parte mais alta das árvores para se esquentar. Por todos os lados era possível se observar jacarés que dividiam o espaço com capivaras e cervos do Pantanal. O silêncio só era interrompido pelos chamados das Araras Azuis que cruzavam o céu voando em círculos sobre nossas cabeças como se quisessem chamar a atenção.  A cada 5 metros nós parávamos para observar uma espécie nova e foi assim durante o dia inteiro.

 Nascer do sol com Cabeças Secas voando

Anus Brancos/  Guira Cuckoo 
(Guira guira)

 Tapicuru/ Bare-faced Ibis 
(Phimosus infuscatus)

 Cabeças secas/ Wood Stork 
(Mycteria americana)



 Corujas Buraqueiras/ Burrowing Owl 
(Athene cunicularia)

 Periquitinhos da Serra/ Blaze-winged Parakeet 
(Pyrrhura devillei)

Bugio Fêmea/ Black and gold howler monkey
(Alouatta caraya)


Arara Azul/ Hyacinth Macaw 
(Anodorhynchus hyacinthinus)

Jacaré cuidando dos filhotes/ Paraguayan Caiman taking care of the babies
(Caiman yacare)

 Capivara/ Capybara
(Hydrochoerus hydrochaeris)

Cervo do Pantanal/ Marsh Deer
(Blastocerus dichotomus)

Então caiu a noite e pegamos o caminhão para fazer uma focagem... Aí começou uma garoa fina e por mais que procurássemos, nenhum bicho queria aparecer... E o tempo foi passando, a chuva apertando e a chance de vermos alguma coisa estava quase no fim. Ao chegarmos próximo à Ponte do Paizinho, onde havia uma grande concentração de jacarés, o Éder sussurrou no meu ouvido: "Não mostra nada agora. A gente vai passar aqui de novo e se não vermos nenhum bicho você para aqui e fala dos jacarés." Nesse mesmo instante parei o caminhão!!! O Eder se levantou e vinha em minha direção e já estava tirando a lanterna da minha mão!!! Por alguns segundos fiquei paralisado, sem acreditar no que estava acontecendo. Estava frio, estava chovendo e nossas chances de ver alguma coisa eram realmente pequenas... Mas lá estava ela! Sentada na nossa frente! Foi então que recuperei o fôlego e as palavras saíram da minha boca: "Jaguatirica! Jaguatirca! Jaguatirica!" Então o Eder parou e todos ficaram em silêncio!!! A Jaguatirica ficou por ali durante 4 minutos antes de entrar na mata!!! 

O Cair da noite



Jaguatirica/Ocelot
(Leopardus pardalis)


Jaguatirica/Ocelot
(Leopardus pardalis)

No momento em que ela saiu do nosso campo de visão todos levantaram e começamos a comemorar!!! Foi Fantástico!!! Meu primeiro passeio como guia não poderia ter sido melhor... É como dizem por aí: "A primeira vez a gente nunca esquece."

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Pantanal: Capítulo 2

Capítulo 2: Olha o Passarinho

É fácil entender porque tantas pessoas são amantes das aves, elas estão sempre ativas, são belas e estão por toda a parte. É impossível vir ao Pantanal e não se encantar com a variedade de aves que se encontra por aqui. Onde quer que você olhe, lá está uma nova espécie que você nunca havia visto antes. Cada uma com uma plumagem diferente, com cores tão vibrantes que as vezes nos fazem indagar se são realmente naturais. 

Escolha uma cor: Pode ser preto como o anu preto, branco como a garça branca, cinza como a curicaca pantaneira, marrom como a coruja buraqueira, verde como o papagaio verdadeiro, amarelo como o  canarinho da terra, laranja como o joão pinto, vermelho como o verão, azul como a arara azul ou multicoloridas como o araçari castanho. Para cada cor que você escolher terá uma ave correspondente.

Anus Pretos/ Smooth billed Ani
(Crotophaga ani)

Garça Branca/ Great Eagret
(Ardea alba)

Curicaca Pantaneira/ Plumbeous Ibis
(Theristicus caerulescens)

Coruja Buraqueira/ Burrowing Owl
(Athene cunicularia)


Papagaio Verdadeiro/ Blue fronted Parrot
(Amazona aestiva)

Canarinho da Terra/ Saffron Finch
(Sicalis flaveola)

 João Pinto/Orange-backed Trouptcherial 
(Icterus croconotus)

 Verão/ Vermilion Flycatcher 
(Pyrocephalus rubinus)

 Arara Azul/ Hyacinth Macaw 
(Anodorhynchus hyacinthinus)

Araçari Castanho/ Chestnut-eared Aracari
(Pteroglossus castanotis)

Os penteados são os mais diversos: podem ter cabelo encaracolado como o mutum de penacho, rabo de cavalo como a garça real, moicano como o pica pau velho ou podem ser carecas como o urubu rei. Algumas preferem investir na maquiagem, com direito a cílios postiços, como a seriema.

  Mutum de Penacho/ Bare-faced Curassow 
(Crax fasciolata)

Garça Real/Capped Heron 
(Pilherodius pileatus)

Pica Pau Velho/ Pale-crested Woodpecker
(Celeus lugubris)

Urubu Rei/ King Vulture
(Sarcoramphus papa)

Seriema/ Red-legged Seriema
(Cariama cristata)

Durante a evolução seus bicos se adaptaram e se tornaram ferramentas perfeitas para conseguir o alimento que precisam. Podem ser robustos para quebrar sementes, como o das araras; finos e delicados para pegar insetos, como o das arirambas; afiados para cortar carne, como o dos gaviões; em forma de lança para pescar, como o dos biguatingas; ou até em forma de colher como o do colhereiro, que o usa para procurar micro-crustáceos nas poças. Outros desenvolveram bicos com várias funções, como o Tucano, que além de se alimentar de frutas usa seu longo bico para pegar ovos e filhotes de outros pássaros.

Arara Canindé/ Blue-and-Yellow Macaw 
(Ara ararauna)

Arirambinha bico de agulha/Rufous-tailed Jacamar
(Galbula ruficauda)

 Gavião Carijó/ Roadside Hawk 
(Buteo magnirostris)

Biguatinga/ Anhinga 
(Anhinga anhinga)

Colhereiro/ Roseate Spoonbill
(Platalea ajaja)

Tucano Toco/ Toco Toucan 
(Ramphastos toco)

O momento mais crítico na vida de uma ave é o período em que ela está no ninho. Assim  elas desenvolveram estratégias para proteger seus filhotes. O joão de barro constrói um ninho com uma entrada em L e coloca seu ovo dentro de uma câmara protegida do bico do Tucano que não pode fazer a curva. 

João de Barro/ Rufous Hornero or Oven Bird 
(Furnarius rufus)

O bico de prata coleta fibras de palmeira e as costura formando um ninho em forma de pêndulo deixando um pequeno buraco como entrada. Quando o adulto entra no ninho o peso dele faz a entrada fechar. O japuíra constrói um ninho com a mesma estrutura, mas utiliza fungos com espessura de fios de cabelos, que coleta dos troncos das árvores. 

Bico de prata construindo o ninho/ Solitary Black Cacique 
(Cacicus solitarius)

Japuíra voltando pro ninho com larva/ Golden-winged Cacique 
(Cacicus chrysopterus)

Os pica paus fazem buracos em árvores ou cupins para botarem seus ovos e ficarem protegidos, enquanto aves maiores como papagaios e araras aproveitam esses buracos e os aumentam para poderem utilizá-los com o mesmo fim. 

Birro/White Woodpecker
(Melanerpes candidus)

Papagaio Verdadeiro/ Blue-fronted Parrot 
(Amazona aestiva)

Algumas aves preferem fazer um ninho de gravetos em uma grande árvore, como o tuiuiú. Enquanto um dos pais sai para buscar água e comida para os filhotes o outro fica no ninho para protege-los contra predadores. Já o mãe da lua confia na camuflagem. Coloca um ovo em um galho e fica sentado, imóvel, fingindo que é um galho quebrado, até o filhote nascer. 

Tuiuiú no ninho/ Jabiru Stork on the nest
(Jabiru mycteria)

Mãe da Lua/ Great Potoo 
(Nyctibius grandis)

Mas existem aves que não constroem ninho nenhum. O quero quero coloca o ovo no chão e ataca qualquer coisa que chegue perto dele. O joão pinto por sua vez prefere utilizar o ninho feito por outros pássaros. Já a arara azul, que enfrenta dificuldades para encontrar uma cavidade natural, conta com a ajuda do Projeto Arara Azul (http://www.projetoararaazul.org.br), que instala ninhos artificiais nas árvores, aumentando as chances de sobrevivência da espécie. Graças aos esforços do Projeto é fácil avistarmos araras azuis no Pantanal.

Quero Quero (Vanellus chilensisatacando Carcará (Caracara plancus
Southern Lapwing  attacking Southern Caracara



João Pinto voltando pro ninho que roubou do Bico de Prata
Orange-backed Troupial (Icterus croconotus)

 
 Arara Azul no ninho artificial/ Hyacinth Macaw 
(Anodorhynchus hyacinthinus)

As aves conquistaram a água, a terra e o ar. Podem nadar como o ananaí, mergulhar como o biguatinga, andar como a ema, escalar como o pica pau de topete vermelho, podem até cavalgar como a maria cavaleira e claro, elas podem voar. 

Ananaí/ Brazilian Teal 
(Amazonetta brasiliensis)

Biguatinga/ Anhinga
(Anhinga anhinga)

Ema com filhotes/ Greater Rhea
(Rhea americana)

Pica Pau de Topete Vermelho/ Crimson-crested Woodpecker 
(Campephilus melanoleucos

Maria Cavaleira/ Cattle Tyrant
(Machetornis rixosa)

Gavião Fumaça/ Savanna Hawk 
(Buteogallus meridionalis)

Elas conquistaram todos os cantos do Planeta. Sua beleza, diversidade e onipresença produziu um exército de entusiastas preparados para dedicar o seu tempo e enfrentar as mais difíceis condições para observá-las na Natureza. Essas pessoas podem ser uma grande ajuda na luta para que nossos céus continuem sendo coloridos pela beleza das aves.