Capítulo 4: Dia de Peão
O Gado foi introduzido no Pantanal a mais de 300 anos e toda a vida aqui é ligada a ele. Criado solto, é o grande aliado na conservação desse bioma. Quando as chuvas começam, trazendo a estação da cheia (outubro a março), os locais mais baixos são inundados e ficam cobertos de água. As árvores ficam confinadas aos espaços mais elevados, onde formam capões e florestas de cordilheira. Quando chega a estação da seca (abril a setembro), a água começa a deixar a planície e o rio volta ao seu curso natural. Os campos abertos voltam a exibir o verde que estava escondido sob o azul. Não é preciso derrubar a floresta para a formação de pastos, na planície pantaneira eles foram formados naturalmente. Os bois e os animais selvagens dividem o habitat pacificamente. Segundo a ONG SOS Pantanal (http://www.sospantanal.org.br/) 80% do Pantanal está preservado, e o grande motivo para isso é a pecuária extensiva.
Nascer do sol no Pantanal
O Sol tingia o horizonte de amarelo quando acordamos. O cozinheiro não estava mais em nossa companhia. Havia saído mais cedo para montar o acampamento em nosso próximo destino. O café da manhã estava servido: uma refeição reforçada para enfrentar o longo dia que teríamos pela frente - é o que os peões chamam de quebra torto, que nada mais é do que arroz com carne de sol. Comemos, encilhamos os cavalos e estávamos prontos para seguir com a comitiva.
Peão encilhando o cavalo
O som da buzina anunciava a saída. O ponteiro, o peão mais experiente, ia a frente ditando o ritmo. Dois peões, chamados de fieiros, posicionados na primeira metade da comitiva, direcionam a boiada para o caminho que devemos seguir, enquanto os meieiros ficam na metade de trás evitando que os bois se dispersem. Por último vem o culatreiro, que mantém a boiada andando. Ele é o capataz da comitiva e usa a buzina para avisar os outros peões, e o gado, quando é hora de andar, virar ou parar.
A buzina é uma espécie de berrante mais curto. Cada toque indica um comando: andar pra frente, direita, esquerda ou parar. O som é entendido pelos peões e pelo gado e facilita a comunicação.
Eu dando uma de fieiro
Meieiro
Culatreiro
Pausa para a Roda de Tereré, chá mate servido gelado
na guampa (copo feito com o chifre do boi)
No começo da comitiva um boi é morto e sua carne é colocada para secar ao sol. Essa carne será utilizada no decorrer da viagem. Arroz e macarrão também fazem parte do cardápio. Tudo é colocado nas bruacas e carregado pelos burros que acompanham o membro mais importante da comitiva: o cozinheiro. Ele deve acordar mais cedo e preparar o café. Depois, antes mesmo do sol raiar, segue para um ponto combinado com o capataz, onde irá montar o acampamento e preparar a comida para o grupo. É unânime entre os peões: sem um bom cozinheiro não há comitiva que se sustente.
Cozinheiro terminando o almoço. Ao fundo carne do sol para as
próximas refeições da comitiva.
Acampamento montado pelo cozinheiro. As bruacas são as caixas debaixo da lona.
Após quatro horas tocando o gado, sob o sol forte da planície pantaneira, começamos a sentir o cansaço. Andar a cavalo é um exercício que demanda força e postura e já estava chegando ao meu limite. Olhei para o lado e vi uma fumacinha saindo de um capão ao lado de um açude. Lá estava nosso acampamento! O cheiro da comida nos fez pular dos arreios (uma espécie de sela) rapidamente.
Os pantaneiros são extremamente sistemáticos em tudo, e não é diferente na hora de comer. É preciso seguir regras (rígidas) antes de sentar e fazer sua refeição. Se alguma coisa sair errado você tem que pagar uma prenda: pegar um porco monteiro ou um frango pra que os seus companheiros de comitiva possam comer algo diferente de carne de boi.
Os pantaneiros são extremamente sistemáticos em tudo, e não é diferente na hora de comer. É preciso seguir regras (rígidas) antes de sentar e fazer sua refeição. Se alguma coisa sair errado você tem que pagar uma prenda: pegar um porco monteiro ou um frango pra que os seus companheiros de comitiva possam comer algo diferente de carne de boi.
1° Regra: Servir-se com o chapéu
2°Regra: segurar o prato com a mão esquerda e servir com a direita. O detalhe é que você precisa segurar a tampa da panela com o dedo mindinho da mão esquerda. Se deixar cair tem que pagar a prenda. Sempre rola uma brincadeira como esquentar a tampa da panela pra alguém derrubar.
3° Regra: Servir na direção em que a comitiva está viajando
4° Regra: colocar o prato no chapéu pra não queimar a mão
5° Regra: comer o arroz carreteiro e o macarrão tropeiro com o resto dos companheiros
6° Regra: Lavar o prato com água do açude
Após o almoço existe uma pequena pausa para o descanso, mas logo é hora de subir no cavalo e seguir viagem. Após um dia duro de trabalho os peões escolhem duas árvores e montam a sua rede e dormem ao relento. No dia seguinte, começa tudo de novo.
As comitivas acontecem no período das cheias, quando as águas inundam os pastos e o gado precisa ser levado para lugares mais elevados. Os
peões seguem esse ritual todos os anos e podem ficar meses sem ver a família para cumprirem o trabalho. São pessoas
muito simples, com uma sabedoria adquirida pelo dia a dia da vida pantaneira. Foi um privilégio acompanhá-los, mesmo
que por pouco tempo, nessa jornada pelos campos do Pantanal.